quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

[Com a palavra: o autor] Um conto de Natal de Cesar Ferraz

Jake Bell

Foto por Jack Berry, sob licença creative commons.

Jake Bell nunca se conformou em ter um sino em seu sobrenome. Motivo de chacotas e brincadeiras sem graça na escola, Jake ficava irritadíssimo quando o Natal chegava. Era toca o sino aqui , bate o sino ali, sempre envolvendo brincadeiras que deixavam o garoto num estado de bullying constante. 

- Mas que droga de Natal! Odeio esta época do ano. Se pudesse, eu desejaria que o Natal nunca existisse com todas as minhas forças! - praguejava ele com intensidade. 

Era manhã, início da semana de Natal em Nova Iorque. Jake já tinha fechado as notas da maioria das matérias e naquele dia ele saíra duas aulas mais cedo da escola Townsend Harris High School onde estudava. Não esperaria Jimmy sair, seu irmão menor. Demoraria muito e ele tinha mais o que fazer. Iria deixar esta tarefa para Lucy, sua mãe. 

Jake saía sem pressa, pelo portão da escola afora digitando uma mensagem SMS no seu celular para sua mãe quando Dean, um colega mais velho de que Jake não gostava muito, o interrompeu: 

- Hey o que foi Dean? Nos vemos no apartamento do Sean às três horas Jake. Não esquece de levar sua parte meu chapa. 

- Chapa? Ah tudo bem, eu estarei lá... chapa. 

Eles se despediram com um toque de mãos. O garoto estranhou aquele convite inesperado pois não se lembrava de ser amigo de Dean quanto menos de Sean, o anfitrião. Mais estranho ainda foi não ter sido alvo de brincadeiras com sinos por ele e por nenhum dos seus outros conhecidos que estavam ali, como sempre faziam na saída da escola nesta época do ano. Deixaram-no simplesmente sair caminhando em paz. Assim que os primeiros flocos de neve caíram em seu rosto gelando seu nariz, Jake enrolou o cachecol verde-musgo em volta de seu pescoço dando um sorriso gostoso de alívio e comemoração. Em seguida terminou de enviar seu SMS: 

- MÃE, SAÍ MAIS CEDO NÃO VOU ESPERAR O JIMMY. PODE PASSAR PARA PEGÁ-LO? VOU VOLTAR CAMINHANDO PRA CASA. ATÉ MAIS TARDE. 

“Enviar”. 
Então ele saiu caminhando pelas calçadas do Queens rumo ao Parque Corona. Jake morava do outro lado do parque, bem entre os lagos Meadow e Willow. Ele não pode deixar de notar uma sensação estranha. Que dia atípico era aquele! Pela primeira vez em muito tempo ninguém vinha com graça pro lado dele. 

Embaixo da fina camada de neve que caía, Jake passava entre os vários transeuntes. Estavam todos apressados, esbarrando ora em um ora em outro. Parecia que aquele clima de Natal tinha sumido. 

- O que está acontecendo hoje hein? Mas que dia! Ninguém olha por onde anda! O mundo todo acordou virado para a lua? 

Ele percebera que as pessoas estavam apáticas e caminhavam feitas robozinhos programados para atingir seus destinos. 

- Aww!! - gritara ao esbarrar numa pesada bolsa Victor Hugo de uma senhora toda produzida que nem ao menos virou-se para se desculpar do garoto.

- Hey senhora, é Natal afinal não é? Mais atenção com o próximo por favor! Não acredito no que vou falar, mas já começo a sentir falta do espírito natalino! - complementou em pensamentos. Mas ninguém prestava atenção em Jake. Era como se ele não existisse. Nem mesmo sua mãe respondera seu SMS.

Ao lado da escola ficava o cemitério Hebron onde seu avô, Jacob, estava enterrado. Jake resolveu dar uma passada para uma breve conversa com o avô. Caminhou até o lado oeste do cemitério onde se encontrava a lápide de Jacob Francis Bell. Ela, assim como todas as outras, estavam visivelmente abandonadas. Sujas, com a grama mal cortada, enfeitadas de flores mortas e ressecadas. Quase como que esquecidas pelas pessoas.

- Eu não acredito vô, que deixaram esse lugar nesse estado. Ah se o senhor ainda estivesse vivo seria o primeiro a cuidar disso aqui. Talvez eu volte amanhã e dou um jeito de melhorar as aparências tudo bem? O senhor não merece esse descaso todo. Não tem nem um mês que passei por aqui e estava tudo tão diferente! O Que será que aconteceu? O dia está todo esquisito vô. Me conte por favor o que está acontecendo que eu mesmo não faço ideia.

- Hey garoto! - disse em voz alta o zelador do cemitério que caminhava na direção de Jake. Garoto, o que está fazendo aqui? Visitando o meu avô oras! E posso saber por quê? Esse lugar não recebe visitas há séculos!

Jake olhou ao seu redor numa mirada de 360 graus e realmente não viu vivalma.

- Ora senhor, simplesmente porque é meu avô e já que estamos quase no Natal vim ter uma conversa franca com ele. Poderia me deixar a sós?

- Você veio para o Natal? Mas o que é Natal?

- Como assim o que é Natal! Você também está louco? Até você? Vai pra casa garoto! É perigoso ficar aqui sozinho e eu não posso ficar cuidando de você. Já tenho que ir para a ala leste. Anda tendo muitos assaltos nas redondezas e...

- Vô eu preciso ir agora - disse Jake em pensamento.

Ele saiu sem dizer uma só palavra ao zelador. Estava mais confuso agora do que quando entrou naquele lugar. Começava a realmente se preocupar. Aquilo parecia tão irreal...

Saindo do cemitério, mais um susto tomou quando chegou ao parque e percebera que toda a decoração de Natal tinha desaparecido. O lugar estava morto, vazio e solitário. Esbranquiçado com a neve e gelado com o dia frio que fazia.

“Onde estaria a gigante árvore de Natal que colocaram lá há algumas semanas atrás?“ Se perguntava Jake que passava por ali todos os dias.

Beep! Beep! ... Beep! Beep! Era seu celular. Finalmente minha mãe respondeu! Ao pegar para ler a mensagem, Jake se decepcionara mais uma vez.
- JAKE VOLTE E PEGUE SEU IRMÃO. QUE FILHO PREGUIÇOSO EU TENHO!

Sua mãe não costumava falar assim com ele. O que estava acontecendo com as pessoas? E então sua própria voz começou a ecoar em sua cabeça com suas últimas frases na escola: “Se pudesse, eu desejaria que o Natal nunca existisse... Se pudesse, eu desejaria que o Natal nunca existisse...”

Jake sentou no gramado extenso do parque Corona e começou a pensar no que estava errado. Não pode ser, não pode ser! - exclamava angustiado.

- Que seja para eu aprender a valorizar mais esta época do ano. Eu nunca me importei, sempre preocupado com as brincadeiras que faziam comigo, com o sino que eu carregava em meu nome. Mas realmente, as pessoas nesta época eram mais felizes, mais sorridentes, mais caridosas. Pode ser uma pura besteira e invenção capitalista, mas o sentimento das pessoas era real. Era a época em que o ser humano era mais humano, em que as pessoas se olhavam nos olhos e que tudo parecia mais fácil de perdoar, de reconsiderar, de olhar com outros olhos. É isso! - pensou exaltado - Eu perdoo a todos aqueles que me zombaram. Página virada, vida nova!

BLÉM BLÉM BLÉM!!! Jake começara a escutar alguns sinos mas não havia nenhuma igreja ali por perto. BLÉM BLÉM BLÉM!!! O barulho foi ficando cada vez mais audível até que a voz de Dean ecoou em sua cabeça: Toca o sino, pequenino...

- HAHAHAHAHA

- Jake acorde!!! Acorde Jake!

Assim, Jake percebera que tudo era um sonho e seus colegas estavam ali tirando sarro dele como sempre faziam e tocando um sino emprestado da professora próximo à sua orelha. Dean badalava o sino freneticamente enquanto Jake pulava de susto desperto e confuso. Enquanto isso, a Srta. Keity Simmons, professora de literatura, repreendia Dean por tocar seu sino na sala de aula sem autorização e Jake por estar dormindo.

- Vocês dois, pra diretoria agora!

Jake olhou pra ela sorridente e disse:
- Feliz Natal pra você também professora! E pra você também Dean! - dizia aliviado ao voltar para a realidade enquanto dava um tapa na cabeça de Dean e saía correndo pelo corredor da escola rumo à sala da Sra. Memphis, diretora da escola.

A professora não entendeu nada e Dean fez uma cara de reprovação. Logo depois saiu correndo atrás dele:

- Volte aqui moleque! Garoto estranho! - dizia Sean ao observar os dois saindo da sala.

Daquele dia em diante, Jake se tornara um rapaz mais vivo e sorridente. Se deu melhor com seus amigos pois também passou a levar tudo menos a sério, mais na brincadeira. A vida tornou-se mais leve para Jake quando começou a acreditar mais no espírito natalino. Naquele momento, desejava que flocos de neve caíssem novamente em sua face e,  por que não, com ao fundo de Jingle Bells...

Sobre o Autor:
Cesar Ferraz é cientista, ator, viajante e peregrino. Apaixonado por games e tecnologia. Mora em São Paulo, mas está sempre em algum canto do mundo. Leitor e escritor, é apaixonado por literatura fantástica e infanto-juvenil, universo este que o inspirou a escrever sua primeira obra: Noah Stalder.

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