Foto por Fernanda Rodrigues - clique para ampliar. |
Ao chegar à Birmânia, Julia estava cheia de dúvidas e planos. Advogada como o seu pai, a garota havia traçado uma estratégia de pesquisa e estava com a cabeça cheia de questionamentos que buscavam suas repostas: por que o pai sumira assim, sem mais nem menos? Será que ele não a amava? A angústia e a pressa a acompanhavam, até que ela conhece um senhor: U Ba, que está disposto a contar a parte da história de seu pai, Tin Win, que a família desconhecia, os seus primeiros 20 anos.
Julia passa a conhecer um outro Tin Win, seu pai passa a ganhar novas formas. Em meio ao sofrimento dele, Julia é despertada para ver o mundo de uma maneira nunca vista por ela antes: com o coração. O amor entre Tin Win e Mi Mi deixa de ter cor, de ter distância, de ter interesses pessoais. Enquanto a superstição, os costumes e os mais variados sentimentos ditam o destino dos amantes, Julia é moldada por uma paz interior nunca vista. Sem dúvida, A arte de ouvir o coração é de uma sensibilidade jamais vista.
A cultura birmanesa – com seus templos budistas, seus monges, seu clima e sua pobreza – é descrita de forma primorosa. Os detalhes faz com que os leitores se sintam lá, ouvindo U Ba narrando cada vírgula, cada pormenor. É interessante como o autor apresenta um ponto de vista que foge do senso comum (da pobreza como algo feio), retratando não apenas as belezas naturais, mas a beleza de espírito da população residente em Kalaw, Rangum e adjacência. A simplicidade é uma dádiva, não um peso. A família, como é visto ao fim, é um compromisso, não um fardo. (É na simplicidade e na honestidade que entendemos, inclusive, o porquê da capa ser cheia de insetos de variadas espécies)
É claro que, para entender toda a narrativa e, consequentemente, a razão da separação entre Tin Win e Mi Mi, temos que estar abertos às divergências culturais entre a nossa cultura – muitas vezes baseadas no ter e no imediatismo – e passar a outro ritmo: temos que sentir a cadência de nossos próprios corações. Falando assim, parece clichê; mas, definitivamente, a história está longe disso. De qualquer maneira, Sendker foi prevenido: colocou em Julia a reação e o provável ponto de vista que nós, pessoas com a vida corrida da cidade grande, teríamos. Vale ressaltar que, assim como acontece com Julia, o autor envolve o leitor de tal forma que acabamos nos rendendo a tal arte de ver o outro como pessoa com sentimentos genuínos.
Mais que um livro de amor – quase utópico – A arte de ouvir o coração é uma história sobre os seres no mundo. Sem dúvida, vale muito à pena, não só pela descoberta que fazemos junto com a Julia, mas pela viagem que fazemos dentro de nós mesmos.
Ah! Sobre o final, quando ele parece óbvio, descobrimos, nas últimas linhas, mais uma informação surpreendente!
Título original: The art of hearing heartbeats
Autor: Jan-Philipp Sendker
Tradução: Carolina Caires Coelho
Páginas: 256
Editora: Paralela
Sinopse: Um bem-sucedido advogado de Nova York desaparece de repente sem deixar vestígios e sem que sua família tenha qualquer ideia de onde ele possa estar. Até o dia em que Julia, sua filha, encontra uma carta de amor que ele escreveu há muitos anos para uma mulher birmanesa da qual nunca tinham ouvido falar. Com a intenção de resolver o mistério e descobrir enfim o passado de seu pai, Julia decide viajar para a aldeia onde a mulher morava. Lá, ela descobre histórias de um sofrimento inimaginável, a resistência e a paixão que irão reafirmar a crença no poder que o amor tem de mover montanhas.
Sobre a Autora:
Fernanda Rodrigues é bacharela em Letras (Português e Inglês) e licenciada no curso de Formação de Professores da USJT. Além de ser professora de Língua Inglesa, é louca por assuntos que envolvam a Literatura, as demais artes e o processo de ensino e aprendizagem. Escreve no Algumas Observações, no Escritos Humanos, no Teoria, Prática e Aprendizado e no designdiPoesia. |
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