domingo, 5 de fevereiro de 2012

[Resenha] O amor é um cão dos diabos


Charles Bukowski
Sua capa traz a seguinte citação assinada pelo filósofo Jean-Paul Sastre: "O melhor poeta da América". Isso, somado ao seu nome curioso e ao fato de ser escrito em versos, me deixou intrigada para saber qual era o conteúdo daquelas páginas. Afinal, como assim o amor, que é um sentimento tão bom, é considerado pelo autor “um cão dos diabos”?

Dividido em quatro partes, o pequeno livro de bolso nos traz reflexões de situações que quase sempre deixamos passar despercebido. Como poeta marginal que sempre fora, Charles Bukowski orgulha-se por ter começado a escrever suas poesias aos 35 anos. Isso é notável em seus poemas, que quase sempre trazem em si uma menção da passagem do tempo e dos aprendizados da vida. Sua poesia é carregada de sua arte e de seu cotidiano regado a mulheres, amores mal correspondidos, sexo, cigarro e bebida.

Embora escrito em versos, seus poemas apresentam diálogos bem-elaborados e carregados daquele tipo de humor que só se obtém quando se vive uma situação extremamente crítica. Isto nos faz perceber a essência da alma do autor e o quanto podemos ter em comum com ele, mesmo que vivamos de modos e em lugares tão diferentes. A leitura torna-se, então, extremamente prazerosa, ao mesmo tempo em que é crítica em relação ao texto, às relações interpessoais e ao mundo.
Como a prosa, cada poema de Charles Bukowski corta como aço de navalha. Ele expõe as vísceras da realidade, revolve o cotidiano, e, de onde nem se pensa que sairá um poema, brotam versos de pura genialidade. Algo como um saxofone gemendo na noite fria. As ruas molhadas refletindo o brilho feérico do neon. Fantasmas da madrugada buscam um gole da bebida mais forte que encontrarem. Bares fechando; a luz amarelada, o odor acre de suor misturado com álcool e muito tabaco. Poucos souberam, como Charles Bukowski, arrancar versos de quartos sórdidos de hotel, becos imundos, mulheres de todas as formas, bocas vermelhas demais, madrugadas longas, solitárias. É o bepop dos marginalizados, dos perdedores, pensadores de sarjeta, filósofos encharcados de uísque vagabundo.
a promessa

ela se inclinou sobre o lado da cama
e abriu um portfólio
junto à parede.
estávamos bebendo.
ela disse, “você me prometeu esses
quadros uma vez, não
lembra?”
“o quê? não, não, não lembro.”
“bem, você prometeu”, ela disse, “e você
sabe que promessa é dívida.”
“tire as mãos desses quadros”,
eu disse.
então fui até a cozinha buscar
uma cerveja. fiz uma parada para vomitar
e quando voltei
pude vê-la sair pela janela
atravessando o pátio
em direção à sua casa que ficava nos fundos.
ela tentava correr
e ao mesmo tempo equilibrar 40 pinturas
sobre a cabeça:
óleos
telas em preto e branco
acrílicos
aquarelas.
ela pisou em falso e quase
caiu sentada.
então subiu depressa os degraus da varanda
e sumiu porta adentro em direção ao
seu apartamento que ficava escada acima
avançando com todos aqueles quadros
sobre a cabeça.
foi uma das coisas mais
engraçadas que jamais vi.
bem, suponho que o negócio agora seja
pintar mais 40.

Livro: O amor é um cão dos diabos
Título original: Love is a dog from hell
Autor: Charles Bukowski
Tradução: Pedro Gonzaga
Gênero: Poesia
Ano de publicação: 2012
Número de páginas: 304
Série: Coleção LP&M Pocket
Editora: LP&M


Sobre a Autora:
Fernanda Rodrigues Fernanda Rodrigues é bacharela em Letras (Português e Inglês) e estudante do curso de Formação de Professores na USJT. Além de ser professora de Língua Inglesa, é louca por assuntos que envolvam a Literatura, as demais artes e o processo de ensino e aprendizagem. Escreve no Algumas Observações, no Escritos Humanos, no Teoria, Prática e Aprendizado e no Barbie Nerd

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Maluh, é muito bom! Principalmente se você curte poemas que lhe apresentam a verdade nua e crua! :)
      Sem contar, que por ser pocket, é baratinho! ;)

      Um beijo! :*

      Excluir

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