"Escrever é perigosa vaidade. Dá medo aos outros".
(A Confissão da Leoa, de Mia Couto, página 88)
Certa vez ouvi um crítico literário dizendo que a África de Mia Couto é inventada e quem vai a sua procura se frusta por não encontrá-la. Se ele estava certo, não sei; contudo, ao ler A Confissão da Leoa, percebi que existe uma África cheia de mistério e magia dentro de todos nós, basta que queiramos descobri-la.
A obra nos apresenta o seguinte panorama: os moradores da aldeia Kulumani estão aflitos pois suas mulheres estão sendo atacadas por leões. Eles veem na figura de Arcanjo Baleiro a única possibilidade de fim deste tormento: o homem é um caçador renomado e vai até lá para se livrar das feras.
A narrativa em primeira pessoa é alternada entre dois personagens: Baleiro, que tem uma perspectiva do homem que veio da cidade, ainda que preserve de uma forma ou de outra suas origens, e Mariamar, uma das residentes da aldeia. É justamente nesta alternância de falas e pontos de vista que os leitores são conduzidos pelos fatos e, ao mesmo tempo, levados a sérias provocações relativas ao direito de voz, ao papel das tradições e das mulheres na sociedade.
Embora os assuntos intrínsecos sejam fortes e duros, Mia Couto mantém sua forma doce, poética e carregada de um realismo fantástico que nos acalenta o coração. A metalinguagem também é um dos recursos extremamente bem empregado que dá um toque de encantamento à obra.
Se destacarmos os interesses políticos do administrador - que envia o caçador à aldeia com a pura intenção de arrecadar votos para a sua campanha -, veremos que, de certo modo, o tal continente do escritor moçambicano é aqui também. Se observarmos a opressão feminina, a influência do que dita "a moral e os bons costumes", também não nos sentiremos afastados dos africanos. Realismo fantástico? Até que ponto estas questões são apenas ficção?!
Doce, intenso e reflexivo, definitivamente este livro me cativou e me fez admirar ainda mais a literatura nascida do Mia Couto. Uma leitura de deleite puro e de profundidade intensa, na certa!
Autor: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 256
Sinopse: Em 2008, quando Mia Couto participava da expedição de uma equipe de estudos ambientais ao norte de Moçambique, começaram a ocorrer na região ataques de leões a pessoas. Essa experiência inspirou o autor a escrever este romance singular.
Em A confissão da leoa, uma aldeia moçambicana é alvo de ataques mortais de leões provenientes da savana. O alarme chega à capital do país e um experimentado caçador, Arcanjo Baleiro, é enviado à região. Chegando lá, porém, ele se vê emaranhado numa teia de relações complexas e enigmáticas, em que os fatos, as lendas e os mitos se misturam.
Uma habitante da aldeia, Mariamar, em permanente desacordo com a família e os vizinhos, tem suas próprias teorias sobre a origem e a natureza dos ataques das feras. A irmã dela, Silência, foi a vítima mais recente.
O livro é narrado alternadamente pelos dois, Arcanjo e Mariamar, sempre em primeira pessoa. Ao longo das páginas, o leitor fica sabendo que eles já tiveram um primeiro encontro muitos anos atrás, quando Mariamar era adolescente e o caçador visitou a aldeia.
O confronto com as feras leva os personagens a um enfrentamento consigo mesmos, com seus fantasmas e culpas. A situação de crise põe a nu as contradições da comunidade, suas relações de poder, bem como a força, por vezes libertadora, por vezes opressiva, de suas tradições e mitos.
Leia trecho do livro disponibilizado pela editora. | Link da obra no Skoob.
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Sobre a Autora:
Fernanda Rodrigues é bacharela em Letras (Português e Inglês) e licenciada no curso de Formação de Professores da USJT. Além de ser professora de Língua Inglesa, é louca por assuntos que envolvam a Literatura, as demais artes e o processo de ensino e aprendizagem. Escreve no Algumas Observações, no Escritos Humanos, no Teoria, Prática e Aprendizado e no designdiPoesia. |
Eu fiquei interessada no livro depois dos seus comentários via twitter, cheguei a comprar a versão ebook, mas só darei início a leitura depois que terminar os dois que estou lendo, "Terra de Casas Vazias" e "Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo". Gostei da resenha, apenas aumentou a vontade de lê-lo.
ResponderExcluirEu espero que você goste tanto quanto eu gostei!
ExcluirAcho bacana como o Mia nunca me decepciona! :D
Depois quero saber o que você achou!
:*