terça-feira, 24 de julho de 2012

[Resenha] O Torreão, de Jennifer Egan

Comecei a escrever esta resenha no computador, mas não achei que seria justo – ainda que tenha que digitá-la depois. Fazê-lo em meio eletrônico seria trair Danny, Howard, a Baronesa (e todas as suas gerações puramente europeias), Holly e, principalmente, seria trair o próprio Torreão. Por isso, vim para o meu quarto desprovida de quaisquer aparelhos tecnológicos (incluindo o meu velho rádio, que foi “expulso” de seu cantinho enquanto escrevia) e fiz deste cômodo o meu Torreão improvisado. 

Ok, antes que vocês achem que estou ficando maluca, começarei a resenha propriamente dita. Se tivesse que descrever O Torreão com uma só palavra, bastaria: inacreditável! Quando o Daily Mail disse que este é “um daqueles raros livros que nos fazem lembrar por que amamos ler”, não mentiu. Mais uma vez, Jennifer Egan me mostrou porque ela é vencedora de um Pultzer, porque esteve na Festa Literária Internacional de Paraty, porque seus livros são sucesso de público e crítica. 

Dividido em três partes, O Torreão é aquele tipo de livro que nos faz manter os olhos grudados em suas páginas desde o título da capa até o último ponto final. A princípio, temos Danny, um nova-iorquino trintão, viciado no incrível poder de conexão que a tecnologia oferece a qualquer um nos tempos moderno a ponto de sentir na pele, literalmente falando, onde há um sinal de internet wi fi. Danny King, na infância, “ummeninotãobom”, ao crescer não passa de um cara cínico que se aproveita das relações – ou seria das encrencas em que se mete? – para sobreviver. Em contraponto, há seu primo, Howard: adotado, gordo, nerd. O típico rejeitado pelo restante da família por ser considerado o diferente. 

Na infância, os dois são muito unidos e – como toda criança – muito criativos. Ao nos apresentar a mente fértil de nossos personagens, Egan começa o jogo que permeará toda a narrativa: o que é real e o que é imaginário? Em muitos momentos, realidade e ficção se mesclam a ponto de trocarem de papeis – revelando, mais uma vez, a genialidade da autora. Voltando aos meninos, as brincadeiras e o universo infantil cria um laço entre os dois, até que a vontade de ser popular de Danny o faz “brincar” com Howie de uma forma que marca e muda a vida de ambos, separando-os até o reencontro no castelo, cuja torre mais alta e mais forte nomeia a obra: o Torreão. 

Paralela a esta história, temos a de Ray, um presidiário que participa da oficina de redação de Holly. Então, mais uma vez, a manipulação da história se torna incrível. Danny e Howie e seu castelo são reais ou apenas fruto da história de um preso que, em sua primeira crônica provoca brutalmente sua professora? Novamente, a ficção se funde com uma possível realidade. 

Enquanto tudo isso é apresentado na primeira parte do livro; na segunda, encontramos uma densa narrativa de tirar o fôlego de qualquer leitor! Nela, Danny visita o Torreão e a parte fantástica do livro transborda causando um impacto físico em quem está ali com ele. O castelo em si, e consequentemente seu Torreão, pode ser considerado quase um personagem. Cenário da maior parte da narrativa é misterioso, denso, sem qualquer conexão com o exterior... Verdadeiro mundo a parte que ajuda a narrativa tirar seus leitores da órbita! A cada passo que Danny dava ali dentro, em muitos momentos – poderia dizer que ao longo de toda a parte –, me vi ao seu lado, suando frio com ele, tremendo, me desesperando, buscando uma explicação com a mesma sede, com o mesmo torpor. Seria Howard um louco ou nós, leitores, estávamos enlouquecendo pela falta de conexão com o mundo juntamente com o Danny? A conclusão só chega à última linha, ao último ponto final. 

Este é um livro que desperta emoções. Além da adrenalina da segunda parte, a terceira é comovente a ponto de ter momentos que quase me levaram ao pranto. Mais uma vez, a dosagem disso tudo põe a mostra o quão fantástica é o estilo da autora. 

Falando no estilo, Jennifer Egan usa e abusa daquilo que ela faz com maestria: começa com o narrador em terceira pessoa e mais à frente, percebemos que aquele narrador é uma das personagens. O ponto de vista, esteja ele em primeira ou terceira pessoa, é múltiplo, uma vez que na obra, quase todos os personagens “têm voz”. Isso dá um ritmo alucinado na narrativa e contribui para que ela se torne tão incrível. 

Com O Torreão, Egan consegue provocar o leitor para assuntos que muito importantes: como despertamos a nossa criatividade em um mundo em que tudo está praticamente pronto? Como quebramos os paradigmas dos padrões preestabelecidos? Como dosamos a tecnologia e a ausência dela? 

Por fim, devo ressaltar que a dose de “fantástico” que há na narrativa está na medida. Até quem é mais crítico com isso – assim como eu – vai gostar, uma vez que estes elementos surreais dão um tom gótico à trama. 

Posso dizer, sem demagogia alguma, que os livros de Jennifer Egan foram os melhores que li até agora em 2012. O Torreão, antecessor de A visita cruel do tempo – embora tenha sido publicado depois dele aqui no Brasil – tem um final surpreendentemente tocante, carinhosamente lindo. Não preciso dizer o quanto recomendo a leitura das duas obras, elas já se tornaram livros de cabeceira para mim.

PS: Jennifer Egan, você me fez criar a minha própria definição para alto: o estado magnifico de deleite ao reconhecer livros formidáveis e me deleitar em suas leituras! Obrigada por isso! ;)


Livro: O Torreão
Título original: The Keep
Autora: Jennifer Egan
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Intrínseca
Páginas: 240
Sinopse: Nos confins da Europa Oriental, um misterioso castelo resistiu a centenas de anos, apoiado no orgulho e na tradição de uma família. Até que Danny, um cínico nova-iorquino de trinta e seis anos que raramente vai a algum lugar que não tenha conexão wi-fi, chega para ajudar seu enigmático primo a reformar o castelo e transformá-lo em um hotel de luxo. Mas as coisas começam a ficar estranhas. Uma baronesa sinistra, um trágico acidente em uma piscina mal-assombrada, um traiçoeiro labirinto subterrâneo... Quando o pânico toma conta de Danny, ele descobre que a "realidade" pode ser algo em que ele não consegue mais acreditar.

Para ler o primeiro capítulo (em inglês), clique aqui.


Sobre a Autora:
Fernanda RodriguesFernanda Rodrigues é bacharela em Letras (Português e Inglês) e estudante do curso de Formação de Professores na USJT. Além de ser professora de Língua Inglesa, é louca por assuntos que envolvam a Literatura, as demais artes e o processo de ensino e aprendizagem. Escreve no Algumas Observações, no Escritos Humanos, no Teoria, Prática e Aprendizado e no Barbie Nerd

4 comentários:

  1. LINDA resenha, completíssima. De longe, a melhor que li até agora sobre o livro. Sério mesmo. Parabéns. *aplausos*

    E é difícil traduzir em palavras esse livro, hein? Ele é tão genial que a gente fica com receio de falar sobre, rs.

    Egan é DIVA.

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    Respostas
    1. Gleice, MUITO OBRIGADA MESMO! :) <3

      A Egan é diva e fazer essa resenha foi uma tarefa árdua! É difícil falar do livro sem soltar spoiler! ;) hehehe

      Egan é DIVA! [2] #fato

      Beijos

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  2. sempre ótimas as resenhas daqui! parabéns Fê!

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    Respostas
    1. :) fico feliz por você gostar das minhas resenhas, Lu! :)
      É sempre um prazer saber que leitoras como você as leem.

      Um beijo!

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