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domingo, 14 de outubro de 2012

[Crônica] O livro

Por Jorge Luis Borges 

Parte dos livros da Fernanda
Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensões de seu corpo. O microscópio, o telescópio são extensões de sua visão; o telefone é a extensão de sua voz; em seguida, temos o arado e a espada, extensões de seu braço. O livro, porém, é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação. 

Fala-se do desaparecimento, ou da extinção do livro. Isto é impossível.  Dir-se-á: que diferença pode haver entre um livro e um jornal ou um disco? A diferença é que um jornal é lido para ser esquecido; um disco é ouvido, igualmente, para ser esquecido - é algo mecânico e, portanto, frívolo. O livro é lido para eternizar a memória. 

O conceito do livro sagrado, do Corão ou da Bíblia, ou dos Vedas - onde também está dito que os Vedas criam o mundo - pode ter passado, mas o livro ainda possui certa santidade, que devemos fazer com que não se perca. Pegar um livro e abri-lo contém a possibilidade do fato estático. Que são as palavras impressas em um livro? Que significam estes símbolos mortos? Nada, absolutamente. Que é um livro, se não o abrimos? É, simplesmente, um cubo de papel e couro, com folhas. Mas, se o lemos, acontece uma coisa rara: ele muda a cada instante. 

Heráclito disse que ninguém desce duas vezes o mesmo rio. Ninguém desce duas vezes o mesmo rio porque suas águas mudam. Mas o mais terrível é que nós não somos menos fluidos do que o rio. Cada vez que lemos um livro, o livro mudou, a conotação das palavras é outra. Ademais, os livros estão impregnados de passado. 

Se lemos um livro antigo é como se lêssemos durante todo o tempo que transcorreu entre o dia em que foi escrito e nós. Por isso, convém manter o culto ao livro. O livro pode conter muitos erros, podemos não concordar com as opiniões expendidas pelo autor, mas, ainda assim, ele conserva algo sagrado, algo divino, não com o tipo de respeito supersticioso, mas com o desejo de encontrar felicidade, de encontrar sabedoria.
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